Entrevista - “Haveria muitas vantagens se conseguíssemos ter um movimento transversal da deficiência em Portugal”
É a primeira pessoa com deficiência visual a ocupar um lugar no Governo. Em dois anos de mandato trouxe ao léxico dos portugueses duas novas siglas - PSI e MAVI – mas defende que o seu trabalho, enquanto Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, foi muito além disso. À LOUIS BRAILLE, Ana Sofia Antunes, apresenta um balanço dos dois anos de governação e traça objetivos futuros.
Louis Braille: Em agosto de 2015, era ainda candidata a um lugar no Parlamento, dizia que se iria bater pelas medidas compensatórias dos custos da deficiência e pela criação de uma lei de bases da vida independente. Sente-se, por isso, realizada pelo que conseguiu atingir nestes dois anos de mandato?
Ana Sofia Antunes: Sinto que dois dos principais compromissos que assumi nessa altura estão praticamente concretizados. Um deles, a Prestação Social para a Inclusão, está concretizado e está a evoluir. Tinha noção que a Prestação Social para a Inclusão seria o que exigiria mais trabalho e, portanto, precisaria de uma dedicação desde princípio porque se não acontecesse numa fase inicial do mandato, dificilmente aconteceria numa fase final. Era uma luta antiga da comunidade das pessoas com deficiência, nomeadamente dos cegos, com uma posição que remonta à década de 90. Refiro-me à pensão de cegueira, que a meu ver não faz sentido. A existir uma pensão ela tinha de se basear na necessidade de compensar os custos com a deficiência e esses custos não são superiores ou diferentes pelo facto de uma pessoa não ver mas sim pelo facto de a pessoa ter uma deficiência, uma redução da sua capacidade, da sua funcionalidade. Isso de facto carecia de uma compensação. Isso está feito, está aprovado, foi submetido a consulta pública e começou a ser paga, na sua primeira fase, a primeira componente. Claro que isto é um processo, quando nós aprovamos e começamos a aceitar requerimentos, temos sempre a parte informática por trás que faz com que os processos não sejam tão rápidos como gostávamos que fossem. Há pessoas que requereram a Prestação em outubro e ainda não estão a receber por essa razão. A aplicação informática ainda está na fase final de construção e, portanto, os processos mais complexos ainda não estão em pagamento. No entanto, quando forem lançados a pagamento, que ainda será no 1.º semestre deste ano, vão ser pagos com retroativos a outubro. Em outubro, teremos a segunda fase, o complemento, que é essencialmente focado nas pessoas com dificuldades financeiras, com maior debilidade económica. Ao passo que esta primeira componente, que começámos agora a pagar, é uma componente criada numa vertente de cidadania, ou seja, é para todos, tendo um grau de incapacidade igual ou superior a 80%; toda a gente tem acesso àquele valor, sem se questionar nada mais, se ganha 200€ ou 2000€. É um reconhecimento de uma situação de diferenciação, pelo facto de a pessoa ter uma incapacidade, e, portanto, aqui está vertida esta questão da cidadania, que a meu ver era fundamental implementar e era aí que íamos ter a grande quebra no paradigma das prestações sociais em Portugal. Todas elas eram prestações para pessoas com poucos rendimentos em situação de pobreza. Acontece que a deficiência não traz só encargos a quem está em situação de pobreza. Ela traz encargos a toda a gente. Não pode ser pelo facto de eu me ter esforçado mais para me ter conseguido impor face às minhas dificuldades que eu devo ser prejudicado e não receber qualquer apoio do Estado, face aos outros que por alguma razão não o conseguiram. Foi isso que sempre defendi e que se encontra plasmado na lei. Independentemente disso, não podemos deixar de reconhecer que quem está numa situação económica mais débil deve receber um extra, ter uma ajuda maior face aos que têm um trabalho, um emprego, um ordenado, portanto, estão numa situação mais estável.
L.B.: Tem noção de, em 2018, a quantas pessoas vai chegar este complemento?
A.S.A.: Ela não vai chegar a mais pessoas.
L.B.: Vai ser um reforço…
A.S.A.: Para se ter o complemento, é preciso ter acesso à componente base. Nós, em janeiro, já processámos a Prestação Social para a Inclusão a 66.414 pessoas. A nossa expetativa é chegar a cerca de 100 mil até ao 1.º semestre mas isso são prognósticos. São estimativas. Vamos ver o que acontece na prática. Depois em outubro, o que vamos ver é quantas destas pessoas, que já entraram na componente base, vão ter acesso ao complemento. Claro que não terão todas - porque algumas têm efetivamente rendimentos do trabalho - mas algumas terão.
L.B.: E quanto será este complemento? Será calculado de acordo com a situação financeira de cada um?
A.S.A.: É calculado em função do rendimento do próprio e do seu agregado familiar mais próximo. Quando falamos em agregado familiar mais próximo estamos a falar de marido, mulher, pai, mãe, filhos. Não vamos para além disto.
L.B.: Que habitem na mesma casa…
A.S.A.: Sim, que façam parte do mesmo agregado e habitem na mesma casa. Mas não contabilizando outras pessoas para além deste agregado mais nuclear. Se tios ou tias viverem na mesma casa não serão tidos para este efeito. O valor ainda não está definido em termos finais mas a nossa orientação é que se temos uma componente base que atingiu o valor de 264.32€, independentemente do que possa haver de atualizações em 2018, o que queremos é que as pessoas que têm complemento fiquem acima do limiar da pobreza, que, no ano passado, esteve definido em 421.32€.
L.B.: E é em 2019 que vamos falar da compensação de encargos específicos com a deficiência?
A.S.A.: A majoração entrará em vigor em 2019. Nós este ano estaremos a “afinar” e a finalizar aquilo que é o desenho do complemento, que terá de ser ainda objeto de análise, também com os nossos parceiros, para entrada em vigor em outubro de 2018. Pensamos começar ainda esta discussão sobre a majoração no final do corrente ano quando tivermos o complemento “a todo o gás”, a tempo de a planearmos para finais de 2019.
L.B.: Falou em números, pensa que a introdução desta Prestação pode dar uma ideia real do número de pessoas com deficiência?
A.S.A.: Acho que pode ajudar. Nós o que continuamos a ver é que, não obstante estarmos a receber requerimentos desde o início de outubro, continuamos a recebê-los ainda hoje. Portanto, as pessoas estão a tomar conhecimento disto. Estão a dirigir-se aos serviços da segurança social, maioritariamente em pessoa. Temos cerca de 70% dos requerimentos diretamente aos balcões e apenas 30% através da aplicação informática da segurança social. Isto representa um constrangimento adicional porque desta forma precisamos de mais tempo para carregar dados e quando os processos são carregados diretamente online torna-os mais rápidos, mais céleres. Mas as pessoas continuam ainda a não sentir segurança de entregarem online, sentem aquela necessidade de preencherem diretamente com o funcionário, entregar diretamente em mão e ter um comprovativo de como entregaram. Eu diria que esta Prestação quando estiver a “todo o vapor”, ou seja, quando tivermos a componente base e o complemento, nos dará dados mais seguros sobre o número de pessoas que temos com deficiência porque todas elas com um grau de incapacidade igual ou superior a 60% podem requerer, portanto, o que poderão dizer é que algumas pessoas com grau de incapacidade abaixo deste limiar não serão identificadas. As pessoas que poderão ficar aí nesse grupo serão pessoas com deficiência intelectual ou alguns espetros do autismo. E também nos dará dados sobre a caraterização da situação socioeconómica das pessoas com deficiência em Portugal.
L.B.: Falou no início do seu mandato nos Censos da Deficiência. Continua com a ideia de que seria importante avançar com esse trabalho?
A.S.A.: É algo que eu gostava de fazer. Temos estado a trabalhar com o INE. É um trabalho que para ser feito com o grau de preciosismo e de detalhe que eu queria que ele tivesse… é um trabalho muito exigente.
L.B.: Pode levar mais tempo…
A.S.A.: São quase uns Censos, exige quase a mobilização de meios e os fundos que exigem a realização de uns Censos em Portugal. Ou seja, se nós quisermos estudos por amostragem conseguimos fazê-lo de forma diferente e se calhar conseguimos fazê-lo já. Mas o que nós queríamos não era isso. Era uma coisa de fundo. Portanto, continuaremos a trabalhar. Agora efetivamente temos a noção de que precisamos de fundos para fazer este levantamento. Não o consigo garantir que ainda o vá fazer neste mandato. Agora uma coisa que conseguimos dizer é que efetivamente estamos a trabalhar em conjunto com o INE para que os Censos voltem a ser uma ferramenta para recolha destes dados e continuamos também a trabalhar com o INE no sentido de construir uma outra ferramenta para recolha de dados, que gostaríamos de ver implementada a nível nacional. Não conseguimos dizer é quando a conseguimos implementar.
L.B.: A lei do Orçamento do Estado trouxe consigo alterações à PSI, ou seja, foi eliminado o limite da idade de acesso a esta prestação (66 anos e 4 meses). Esta alteração surge na sequência da proposta do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e ainda após um intenso trabalho da ACAPO, com o apoio de mais organizações, que impulsionou o debate sobre as limitações no acesso a esta prestação. Este é um sinal que a inclusão não se faz só do trabalho do Governo mas também das organizações representativas de pessoas com deficiência reforçando a sua necessidade de existir?
A.S.A.: Como alguém que trabalhou durante bastante tempo no mundo associativo e que no fundo também foi uma ativista (foi, continua a ser e sempre vai ser) eu acho que as associações deveriam refletir sobre isto que aconteceu. Indubitavelmente, esta foi uma vitória das associações, da ACAPO que mobilizou outras associações para esta luta, e que depois veio a resultar numa proposta que permitiu fazer uma alteração de fundo naquilo que era o desenho da prestação. Não é que fosse uma alteração que o Governo não quisesse fazer, apenas entendia, em determinado contexto, que não sabia quando o conseguiria fazer. Mas também foi possível com esta mobilização pôr vários grupos parlamentares a falar a uma só voz e, portanto, fazer com que acontecesse mais depressa. E esta é uma vitória das associações, não se pode negar. E as associações deviam aprender com isto. A reconhecer a sua própria força, que é possível alcançar objetivos quando se trabalha de forma organizada, articulada, e quando se fala a uma só voz e que efetivamente haveria muitas vantagens se conseguíssemos ter um movimento transversal da deficiência em Portugal que acho que não temos. Pelo menos de forma implementada como deveria estar. Acho que nos falta uma plataforma da deficiência que congregue as diferentes associações da área da deficiência e que as ponha a falar a uma só voz relativamente aos assuntos que interessam às pessoas com deficiência.
L.B.: Um espirito de coesão.
A.S.A.: Sim, e ter mesmo uma organização que falasse e as reunisse.
L.B.: No que respeita ao Modelo de Apoio à Vida Independente em que ponto nos encontramos?
A.S.A.: Os MAVI são um processo que é um desafio desde a sua origem. Aquilo que se passava é que, quando aqui chegámos, tínhamos no Portugal2020 uma rubrica, uma linha de financiamento, que nos permitia avançar com os MAVI mas que no fundo não definia o que é que se entendia por Modelo de Apoio à Vida Independente. Portanto, permitia financiar uma coisa que não existia, o que significava que não era possível executar aquela verba. E, por isso, houve que criar um modelo, um conceito de vida independente, um modelo de vida independente a apoiar. Teve de ser construído do zero! Neste momento está aí, existe, está previsto num decreto-lei, foi amplamente submetido a consulta pública. É um modelo que tem as suas caraterísticas, tem, e sabemos disso, algumas limitações. É um projeto que para já vai ser implementado em projetos-piloto, não é um modelo que vá ser implementado e chegue a todos desde já. É um modelo que precisa de ser trabalhado e apurado porque é um modelo exigente, do ponto de vista financeiro. Eu acredito que tenhamos a abertura das primeiras candidaturas ainda durante o mês de fevereiro para todo o país, com exceção de Lisboa. Lisboa abrirá um pouco mais tarde. É um modelo que tem bastantes constrangimentos do ponto de vista operacional dos fundos e, por isso, estarmos a abrir primeiro as candidaturas a nível nacional e também Algarve, e mais tarde Lisboa. Estou muito ansiosa para ver os resultados práticos destes projetos-piloto. Vê-los a começar a funcionar, conseguir apreciar o que é que está efetivamente diferente na vida das pessoas que venham a beneficiar deste apoio ao fim de seis meses, um ano. Perceber o que mudou. Eu acho que vamos ter resultados que vão admirar muita gente. Provavelmente muita gente não estará preparada para ver o resultado da diferença e o ímpeto que isto poderá ter. Estou muito expetante e bastante otimista.
L.B.: Que outros aspetos – para além da PSI e dos MAVI – salientaria do trabalho que desenvolveu ao longo destes dois anos com impacto na vida das pessoas com deficiência?
A.S.A.: Há várias coisas em que se tem mexido, a nível de legislação, como a questão da colocação de docentes, a preferência na colocação de docentes do quadro em regime de mobilidade para pessoas com deficiência mais próxima das suas residências, a questão dos estacionamentos que era já uma velha aspiração da comunidade das pessoas com deficiência ou a questão das acessibilidades, que tem estado a ser trabalhada no INR. Estamos a criar estrutura no INR para que este instituto seja de facto um instituto com competência para fiscalizar e sancionar as normas de acessibilidade que era algo que não existia. As pessoas falavam muito “não se faz nada, não há consequências”. A verdade é que não havia verdadeiramente as competências para fazer isto, não estavam clarificadas na lei e, por isso, houve que criar uma resposta que daqui para a frente passa a acompanhar estes temas. E isso vai ser criado junto do Instituto Nacional para a Reabilitação. E temos estado a trabalhar nisso. Trabalhámos muito a questão das medidas compensatórias dos custos da deficiência com os descontos nos transportes, os descontos no acesso às telecomunicações, trabalhámos muito a questão das parcerias com as forças de segurança e o reforço do acompanhamento que as forças de segurança podem fazer na identificação e no encaminhamento de situações de deficiência, que muitas vezes ainda se encontram escondidos e só eles contactam com essas realidades. Procurámos também aumentar as deduções fiscais das pessoas com deficiência e das famílias com pessoas com deficiência, aumentando essas mesmas deduções para os agregados e reduzindo o valor dos rendimentos coletáveis para pessoas com deficiência. São coisas mais pequenas que não têm a grande visibilidade por parte dos meios de comunicação mas que temos estado a fazer e nos orgulha muito. Trabalhámos também muito na revisão do decreto-lei 3/2008, vamos estar agora neste final de semestre, para além de termos a submissão deste novo diploma a Conselho de Ministros vamos estar numas sessões intensíssimas de formação nas escolas para a comunidade educativa que trabalha com crianças com deficiência. Estamos a trabalhar numa revisão do modelo do serviço nacional de intervenção precoce na infância porque precisamos de melhor especialização por parte das entidades que prestam serviço de intervenção precoce na infância. Não podemos continuar a ter as mesmas entidades a prestar indiferenciadamente apoio e intervenção precoce a crianças com deficiência visual, paralisia cerebral ou deficiência intelectual. Não é a mesma coisa, não é tratado da mesma maneira e quem é bom a fazer uma coisa não pode ser bom a fazer outra. Estamos num campo cada vez mais especializado e precisamos ter noção disso. Temos tentado não ser absolutamente “submergidos pela onda” MAVI e PSI e termos uma abrangência transversal no tratamento que fazemos às questões da deficiência.
L.B.: A atual Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência tem um historial no associativismo de pessoas com deficiência. No que respeita às pessoas com deficiência visual conhecia bem a sua realidade. Mas o desempenho de funções governativas dá-lhe um retrato mais geral sobre as pessoas com deficiência em Portugal. Como carateriza esta população?
A.S.A.: É difícil falar em população com deficiência, quer seja em Portugal ou noutro sítio qualquer. O meu conhecimento, por razões óbvias, era mais profundo no que dizia respeito à população com deficiência visual porque era aquela com a qual contactava mais e por essa ser a minha realidade pessoal. Obviamente, que tendo já algum envolvimento em movimentos na área da deficiência contactei com outras pessoas com outro tipo de situações/incapacidade mas não posso dizer, estaria a mentir se dissesse, que conhecia transversalmente pessoas com todo o tipo de deficiência ou pelo menos que conhecia bem as suas realidades. Tive de aprender muito, ler muito, visitar muito, para perceber a fundo algumas realidades. Nomeadamente a realidade de algumas doenças raras e degenerativas que desconhecia, ou o universo do autismo que desconhecia. E esse foi um processo de aprendizado que me fascinou e continua a fascinar porque nós temos muito a tendência de nos focar naquilo que conhecemos melhor, na área onde nos sentimos mais à vontade. Mas aquelas que são as necessidades mais prementes de uma pessoa com deficiência visual não têm nada que ver com aquilo que é o mais necessário para uma pessoa que se movimenta numa cadeira de rodas, ou para uma pessoa que é tetraplégica, ou para uma pessoa que tem um autismo ligeiro ou um autismo mais profundo. É uma realidade completamente diferente. E muitas vezes é difícil pôr estas pessoas a falar a uma só voz. Aquilo que é fundamental para algumas pode ser um grande obstáculo para outras. Um exemplo muito simples: há uma luta muito grande por parte das pessoas com deficiência motora com a eliminação dos lancis. As pessoas com deficiência motora acham que tudo podia ser resolvido se fosse tudo construído ao mesmo nível, depois podia-se colocar uns “pilaretes” e marcava-se a diferença, entre o que é o passeio e a estrada. As pessoas com deficiência visual são absolutamente contrárias a isto porque deixam de ter um elemento de referência básico para a sua deslocação que são os lancis. Daí eu dizer que era muito importante termos uma plataforma onde todas as pessoas com deficiência se reunissem e discutissem, para que tivessem um posicionamento comum. A realidade destas pessoas com deficiência obviamente que varia muito de área de deficiência para área de deficiência. Aquilo que mais falta faz a uma pessoa com deficiência motora não é certamente o que mais falta faz a uma pessoa com deficiência visual. Uma pessoa com deficiência visual essencialmente precisa ser treinada em termos de orientação e mobilidade, precisa que haja maior sensibilização ao nível das entidades empregadoras mas as necessidades por parte das pessoas com deficiência motora são muitas amplas em alguns aspetos. Obviamente que também precisam de acessibilidades mas precisam que essas acessibilidades sejam físicas e precisam de muito apoio a nível pessoal, nas suas atividades da vida diária. Há questões que são muito transversais, sem dúvida. Penso que não há pessoa com deficiência que não precise de mais abertura ao nível da possibilidade de emprego, ou para aquelas que não podem aspirar a uma situação de emprego ou pleno emprego, pelo menos que haja uma sensibilização para uma situação de maior inclusão na comunidade ao nível da prática ou realização de atividades socialmente úteis, ou de situações de empregabilidade parcial. Há necessidades que são muito próprias de uma determinada área e confrontámo-nos com essa realidade durante o desenho do Modelo de Vida Independente porque temos a certeza que aquilo que vai ser requerido pelos beneficiários aos seus assistentes pessoais vai ser muito diferente em função das caraterísticas da pessoa e do tipo de deficiência.
L.B.: Portanto há uma grande diversidade.
A.S.A.: Sim, aquilo, por exemplo, que se vai pedir a um assistente pessoal que trabalhe com uma pessoa cega é diametralmente quase oposto a uma pessoa que trabalhe com uma pessoa com deficiência motora ou paralisia cerebral. E também muito diferente da exigência que vai ter um assistente pessoal que trabalhe com um autista ligeiro ou uma pessoa com um défice intelectual ligeiro.
L.B.: Em 2018, que estratégias é que prevê desenvolver em prol das pessoas com deficiência em Portugal?
A.S.A.: Estamos essencialmente focados em duas questões: acessibilidades e emprego. São essencialmente os nossos dois grandes focos para este ano com ações de sensibilização, com algumas mudanças legislativas do ponto de vista do emprego, da legislação laboral.
L.B.: No setor privado?
A.S.A.: No setor privado e também no setor público porque consideramos que a legislação precisa ser apurada. E também a parte das acessibilidades em que queremos constituir e formar equipas que acompanhem as questões das acessibilidades em cada um dos ministérios e ter um INR verdadeiramente apetrechado para começar a acompanhar estas temáticas e fiscalizar com maior intensidade e instruir processos para situações de incumprimento.
L.B.: Voto acessível não faz parte?
A.S.A.: O voto acessível está tratado por nós. (Claro que isto depois não passa para fora) nós já aprovámos no início de 2016
L.B.: Estamos a falar da matriz em Braille?
A.S.A.: Sim, sim. Está aprovado num diploma que foi aprovado em Conselho de Ministros, se não me engano em fevereiro de 2016. Por que é que isto ainda não foi divulgado? Por uma razão simples, porque o Parlamento pediu uma apreciação parlamentar desse diploma, ou seja, não foi considerado finalizado. Esse diploma não tratava apenas do voto em Braille, tratava das questões da acessibilidade do voto, entre eles o voto em Braille, o voto matriz, mas tratava genericamente de outras questões como o voto antecipado. A Assembleia pediu uma apreciação ao diploma, eu penso que mais pelas questões do voto antecipado do que voto acessível, mas como estava tudo no mesmo diploma… E portanto, neste momento a questão está no Parlamento a ser discutida num grupo de trabalho e nós, governo, não podemos fazer mais nada. É esperar que a Assembleia termine o seu trabalho, aprove as alterações ao diploma, aí sim ele será considerado final e se isso acontecer, que esperamos que seja este ano, contamos ter voto matriz nas eleições europeias e legislativas.
[Entrevista realizada a 22 de janeiro de 2018 por Cláudia Vargas Candeias]