Aquando da implementação dos pedidos de voto antecipado, em 2021, a ACAPO alertou a administração eleitoral para a inacessibilidade do sítio web, tanto do pedido de voto antecipado como do recenseamento eleitoral. Esta inacessibilidade faz com que as pessoas com deficiência visual não possam saber, através dos mesmos meios que qualquer outra pessoa sem deficiência, onde se dirigir para votar. Tal sucede porque o portal do Recenseamento Eleitoral, em recenseamento.mai.gov.pt, exige, para saber onde o eleitor vota, que se introduza, para além dos dados de identificação do eleitor, um código de verificação humana, que apenas está contido numa imagem e, portanto, não pode ser lido pelos leitores de ecrã utilizados pelas pessoas com deficiência visual para acederem à Internet.

Nove meses depois de a ACAPO ter alertado a Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, que é competente para coordenar a administração eleitoral e que administra o referido sítio web, o mesmo continua inacessível. Isto apesar do compromisso escrito, assumido pelo dirigente responsável daquele organismo de que, após as eleições presidenciais que se realizaram em janeiro, a referida barreira iria ser ultrapassada. Ao contrário do prometido, nem a barreira foi ultrapassada, nem a ACAPO foi uma única vez consultada sobre as melhores soluções ou técnicas para a sua ultrapassagem.

A duas semanas de mais umas eleições, o sítio web de consulta ao recenseamento eleitoral continua a exigir que o eleitor confirme que é uma pessoa e não um robot através do preenchimento de um código, que surge numa imagem e que é, por isso mesmo, inacessível aos leitores de ecrã utilizados pelas pessoas com deficiência visual. Enquanto isso, qualquer outro cidadão sem deficiência pode, livremente, utilizar o referido sítio web e saber, instantaneamente por esta via, onde é o seu local de voto. Mas as pessoas com deficiência visual, não!

As pessoas com deficiência visual, que, recorde-se,  nestas eleições também não poderão votar de forma autónoma e independente porque o Estado português não legislou a tempo de introduzir nem a matriz de voto em Braille nas eleições autárquicas nem qualquer outro sistema de votação inclusivo e acessível a todos, independentemente da sua deficiência, também não podem agora saber, pela Internet, de forma autónoma, onde têm que se dirigir para votar, porque o Estado português também nada fez nesta matéria. O mesmo Estado português que, pelo órgão competente, se comprometeu a ultrapassar esta barreira. O mesmo Estado português que se comprometeu, em 2018, a tornar os sítios web da Administração Pública, como o sítio web do Recenseamento Eleitoral, plenamente acessível, e que ainda não o fez. O mesmo Estado que, ao ratificar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Visual, se comprometeu a garantir que todo o processo eleitoral, onde se inclui o recenseamento, era plenamente acessível a todas as pessoas, independentemente da deficiência. O mesmo Estado português que se comprometeu, na mesma Convenção, a garantir a plena acessibilidade às tecnologias de informação e comunicação.

Por isso, e porque a discriminação das pessoas com deficiência é uma violação dos seus mais elementares direitos humanos em condições de igualdade, a ACAPO apresentou hoje, formalmente, queixa por discriminação em razão da deficiência contra o órgão que nos impede de aceder, em condições de igualdade, ao sítio web do Recenseamento Eleitoral. Não deixaremos de exigir responsabilidades a quem as tem, para que esta violação de um dos direitos mais relevantes de um estado democrático não fique impune. Independentemente da resolução que venha a ser dada a este problema, queremos que fique registado, e que seja devidamente sancionada, esta inadmissível discriminação das pessoas com deficiência visual, que não precisava, e não devia existir. Não deixaremos de o exigir, seja em que instâncias for, porque a cidadania é mais do que boas intenções ou palavras, é ação e respeito pela lei e pelos direitos humanos.

 

Lisboa, 12 de setembro de 2021
A Direção Nacional da ACAPO